
(*) Por Thaisa Gorla Lemos e Cláudio Guarnieri
(03/07/2025) – A corrida pela transformação digital está redefinindo os alicerces da indústria em todo o mundo. Para termos uma ideia deste cenário, segundo dados da consultoria Grand View Research, só no ano passado, mais de US$ 1 trilhão foram investidos globalmente em processos de digitalização no mercado e a expectativa é que esses aportes cresçam, em média, 28,5% ao ano até 2030.
E esse panorama é impulsionado pela adoção intensiva tanto de tecnologias emergentes capitaneadas por ferramentas cada vez mais sofisticadas de inteligência artificial, big data e IoT, além do avanço em modelos mais consolidados, como os sistemas integrados de gestão empresarial (ERPs).
É nesse contexto que a gestão da qualidade deixa de ser uma atividade de controle simplesmente reativa para se tornar uma disciplina estratégica, em que a tecnologia é aliada central na criação de valor para empresas e indústrias.
A chamada Qualidade 4.0 é um conceito que surge nesse novo cenário mercadológico e que desponta como um novo paradigma para a área.
Nesse contexto, o objetivo da gestão de qualidade não é apenas monitorar desvios ou evitar não conformidades, mas antecipar falhas, otimizar fluxos produtivos e gerar insights em tempo real.
O conceito de Qualidade 4.0 está ancorado na integração entre sistemas físicos e digitais, promovendo uma cadeia de processos inteligente e orientada por dados, ampliando o escopo tradicional da área ao incorporar recursos digitais que tornam os processos mais ágeis, precisos e preditivos.

Tal perspectiva, naturalmente, demanda uma mudança cultural importante para a área, além de investimentos consistentes em tecnologia, uma vez que um modelo de gestão orientado por dados exige a coleta contínua por sensores, o processo de grandes volumes de informações e o aumento da capacidade analítica – tanto de ferramentas quanto de pessoas – de modo que decisões críticas são tomadas com base em informações atualizadas e confiáveis.
Nesse cenário, os sistemas ERP seguem tendo também um papel estrutural, conectando áreas da organização e viabilizando a interoperabilidade entre os dados de produção, qualidade, logística e suprimentos.
Com isso, o ciclo da qualidade — planejamento, execução, monitoramento e melhoria — se integra de forma mais orgânica ao ciclo de inovação. O resultado é um sistema de gestão menos burocrático e mais responsivo, alinhado, por exemplo, com as diretrizes da ISO 9001, que também tem evoluído para incorporar os desafios da era digital e cada vez mais alinhada a uma baseada em riscos e na gestão de processos orientados por dados.
Assim, é possível afirmar que a norma permanece como um balizador essencial da qualidade, mas agora também exige das organizações uma maturidade digital crescente para sustentar o ciclo de melhoria contínua.

Com tudo isso, é possível afirmar que a gestão da qualidade, na lógica 4.0, deixa de ser um diferencial apenas operacional e passa a se consolidar como um ativo competitivo.
Empresas que utilizam plataformas digitais para gerir seus indicadores de qualidade, por exemplo, tendem a conseguir não apenas uma redução de desperdícios e aumento da eficiência, mas também gerar valor direto e percebido pelos clientes.
Por fim, essa mudança de paradigma altera também o papel do gestor da qualidade. Antes focado apenas em etapas como a conformidade documental e inspeção final do produto, o profissional passa agora a ter de ampliar seus skills digitais, se comunicar com outras áreas e fortalecer seu viés analítico.
Em outras palavras: a transformação digital é também uma ponte para a transformação de pessoas e culturas organizacionais que têm na qualidade um pilar estratégico.
Tal movimento é essencial e abre caminhos para uma indústria em que o controle se transforma em inteligência, a conformidade cria valor para as empresas e a gestão se torna mais preditiva em relação aos desafios e oportunidades do futuro.
(*) Cláudio Guarnieri é diretor Industrial da Starrett, e Thaisa Gorla Lemos é gerente de Qualidade da Starrett