(14/03/2021) – Quando adolescente, Jacqueline Freitas foi convidada por alguns amigos da rua onde morava para fazer inscrição no Senai. Sem muita informação sobre os cursos disponíveis, mas motivada pela oportunidade de estudar gratuitamente, ela aceitou o convite. “Como eu vinha de família pobre, sem recursos para pagar, eu fui”, diz.
Dos amigos que fizeram a prova, cerca de 10 adolescentes, apenas Jacqueline e mais um foram aprovados. Ela havia se inscrito para o curso de Mecânica de Usinagem, sem ter a mínima ideia do que se tratava. “Quando eu comecei o curso, aos 14 anos, fui apresentada para as máquinas. Na minha cabeça, mecânica estava relacionada somente a carro”, conta rindo.
Mão na massa, Jacqueline gostou do curso e se apaixonou pela parte prática. Aos 16, no dia da formatura, seu professor de mecânica lhe avisou que ela teria uma surpresa. Era o telefone de uma empresa que todos os anos pedia indicações para o Senai. Estava tudo certo, ela só precisava fazer o exame médico.
Foi assim que ela ingressou na Taurus Ferramentaria, onde trabalhou por seis anos e foi acolhida por uma outra ex-aluna do Senai, que era operadora CNC. “A Mônica me ensinou tudo que sei de máquinas”, afirma. As duas eram as únicas funcionárias da empresa.
Jacqueline se destacou na operação e ganhou um curso de programação. “O sonho de todo operador é sair da máquina”, diz. Após o treinamento, passou a ser programadora. “Eu tive a experiência operacional. Hoje, eu não me considero uma programadora CAD/CAM, me considero uma estrategista de usinagem, afinal eu encontro soluções para desafios desenvolvendo peças”.
No mercado de trabalho, o maior desafio é entrar em uma empresa sem ser por indicação. Com 19 anos de experiência (passando por vários segmentos – ferramentaria, corte e dobra, moldes plásticos etc.), ela considera muito difícil conseguir uma vaga apenas enviando currículo. “Quando uma mulher envia um currículo, ela não consegue provar suas competências. Aliás, isso é exaustivo. A gente tem que provar o tempo todo que sabe as coisas”, comenta. Depois da Taurus, Jacqueline já passou por mais cinco empresas – inclusive uma multinacional – chegando a todas por indicações. Ela acredita que sem as indicações não conseguiria alcançar as oportunidades ou até alcançaria, mas por um salário muito baixo.
Hoje, Jacqueline é líder de usinagem CNC na indústria metalúrgica Tecnomatrizes, à qual foi indicada por irmã, Gislaine Freitas – programadora CNC na Grob do Brasil – que já foi entrevistada pelo Usinagem-Brasil em outra ocasião (leia aqui). “Já aconteceu de, em um processo seletivo, me pedirem para ir à empresa no final de semana fazer uma peça. Eu não fui!”, recorda. A especialista diz que essas dificuldades foram importantes para perceber que é preciso procurar o que é melhor para ela: “Prefiro estar em empresas menores onde eu seja reconhecida pelo meu trabalho”.
Em todas as empresas que trabalhou, com exceção da Taurus, Jacqueline era a única mulher da fábrica. Certa vez, em uma entrevista, um líder de usinagem questionou sua experiência na área – que na época era de oito anos – e destacou que as peças do setor tinham por volta de 80 kg. “Tem talha pra pegar a peça?”, perguntou Jacqueline. Diante da pergunta, o entrevistador mostrou suas mãos danificadas pelo trabalho. “Quando eu abri a minha mão e mostrei, estava pior do que a dele. Então, ele viu que eu trabalhava na usinagem. Viu corte, viu cavaco na minha mão. Mais uma vez tive que provar”.
Ela conseguiu a vaga, mas foi encaminhada para uma máquina que só manufaturava pequenas peças. Incomodada, ela mesma começou a apontar as máquinas em que era capaz de trabalhar. “A mulher tem que se impor o tempo todo. Apesar de tudo, eu gosto do desafio de provar que eu sou capaz. Mas eu não cobro isso de outra mulher porque algumas pessoas são mais sensíveis do que as outras, independente do gênero”, ressalta.
Lado B – Além de trabalhar com usinagem, Jacqueline também é maquiadora. Seu marido é professor de dança, com quem realiza algumas apresentações. Sem ter alguém para maquiá-los nos eventos, ela buscou um curso de maquiagem profissional.
“O trabalho de usinagem me deu habilidades manuais e muita noção de simetria. Isso me ajudou muito. Trabalho, sou mãe, dona de casa, maquiadora e dançarina”, se orgulha. Jacqueline afirma ser muito grata aos seus pais, que desde a sua infância, sempre apoiaram as suas decisões. “Eu tive o incentivo deles em tudo que fiz na vida, desde jogar futebol na rua, até cursar mecânica de usinagem”, conclui. (Sheila Moreira)
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