São Paulo, 19 de maio de 2024

06/06/2020

Clássicos da Usinagem: Lee e Shaffer

(*) Marcelo Acacio de Luca Rodrigues

(07/06/2020) – A resenha do artigo de Lee e Schaffer intitulado The Theory of Plasticity Applied to a Problem of Machining, originalmente publicada no Journal of Applied Mechanics, em Dezembro de 1951, é um marco no entendimento sobre plasticidade, tensão e deformação envolvidas na formação do cavaco. Este “Journal” é uma publicação da organização ASME (Sociedade Americana de Engenheiros Mecânicos) com mais de um século de tradição. Logo no início do texto, há uma nota de rodapé que, além de curiosa, expressa a seriedade da organização, além do respeito com o leitor e com os autores. A nota de rodapé diz:

“Discussão sobre este artigo pode ser enviada para a secretaria da ASME até uma data específica em 1952. Discussão recebida após esta data não será publicada”

Esta nota de rodapé é bastante interessante, e se refere à possibilidade de qualquer pessoa que leu o artigo e se sentir motivada a questioná-lo, poderia escrever para a ASME que será publicada a crítica, ou o questionamento, ou a discussão.  Embora isto possa parecer simples nos tempos atuais, a ASME deixa claro mais abaixo que o conteúdo é responsabilidade dos autores e que o leitor pode discutir com os autores e tal discussão será (ou seria) publicada em uma edição em data posterior. Atualmente, com as redes sociais, esta possibilidade é praticamente automática em websites e outros veículos de publicação digital, mas, em 1951, sem Internet, a comunicação por correio tradicional ainda era o meio de se comunicar à distância, e o respeito à opinião é o ponto chave desta postura da ASME.

Logo no início do artigo, os autores consideram a usinagem um problema físico. Isto pode ser uma perspectiva científica interessante, e classificar a usinagem simplesmente como um problema físico é conseqüência da formação de um dos autores, que é matemático (Lee), enquanto o outro é engenheiro (Schaffer).

No parágrafo de abertura fica claro que a análise de tensão e deformação na usinagem (ou no problema de fazer cavaco),  será modelado como um escoamento plástico plano e que o comportamento mecânico do material é idealmente plástico.  A palavra “plano” significa “corte ortogonal”.

A Introdução do trabalho enuncia que o corte será realmente ortogonal com aresta retilínea e perpendicular a direção do movimento. Além disso, a profundidade de corte é significativamente menor que o comprimento da aresta de corte.  Outra condição considerada na abordagem da plasticidade é que será considerado estado plano de tensão e deformação, e efeitos oblíquos de escoamento serão desconsiderados.

Outra importante consideração é que o tipo de cavaco será contínuo, e que o modelo constitutivo de material será aquele, considerado em nomenclaturas atuais, rígido idealmente plástico (a etapa de comportamento elástico é desprezada) sem encruamento.

Os autores se concentram em aplicar a teoria da plasticidade para aços, mas boa aproximação será vista na usinagem de chumbo.

Os autores finalizam a introdução esclarecendo que as tensões do problema físico devem satisfazer as condições de equilíbrio, que as forças de inércia são desprezíveis, inclusive na região de escoamento plástico. Além disso, o campo de velocidades de escoamento plástico deve determinar as taxas de deformação que satisfaça à condição de escoamento de Mises1.  E, de acordo com Hencky2, é mais conveniente considerar a solução em termos de uma malha ortogonal de linhas de escorregamento ou trajetórias de máxima tensão de cisalhamento que satisfaçam relações geométricas simples e permitem que equações de tensões e velocidades sejam escritas de maneira simples.

“Os autores ao longo das oito páginas que compreendem o artigo original, citam sem referência numérica os nomes de Mises (Richard Edler von Mises, 1883-1953) e Hencky (Heinrich Hencky, 1885-1951) e Mohr (Christian Otto Mohr, 1835-1918). Todas as demais referências de autores contemporâneos são citadas apenas por números e apresentadas no final do texto, que é a forma comum de citação. O leitor deve entender que estes três nomes pertencem ao fundamento do estudo das relações entre tensão e deformação, elasticidade e plasticidade, e eles são contemporâneos entre si,  cada um com sua importância, mas é certo que suas teorias se complementam e transcendem a aplicação de uma área ou outra. Enfim, suas teorias são a base da teoria da plasticidade, que até os dias de hoje busca modelar o problema da usinagem”(grifo do colunista).

No primeiro subitem do texto, intitulado Usinagem Sem Aresta Postiça de Corte, os autores de maneira muito objetiva dividem o mecanismo de formação do cavaco, e afirmam que após a ferramenta entrar em contato com a peça (1ª etapa do mecanismo), a partícula de material entra numa região de elevada taxa de deformação onde ocorre deformação plástica (2ª etapa do mecanismo), no qual o material da peça se torna cavaco (etapa final do mecanismo).  E este campo de tensões que satisfaz as equações da plasticidade é apresentado na figura 1.

Na figura 1, o conjunto de linhas paralelas a AC e BD é chamado de campo de linhas de escorregamento (como tradução de Slip Line Field). A configuração do campo é dada pelos ângulos DBC,  conjuntamente com o ângulo de saída da ferramenta. O ângulo será associado às condições de atrito na superfície de saída da ferramenta.

Lee and Schaffer não perdem tempo em afirmar, principalmente pelo título do artigo, que o escoamento plástico ocorre através da linha de cisalhamento AC (eles chamam AC corretamente por linha). A região ABC é considerada uma região plástica fictícia com característica perfeitamente rígida para transmissão dos esforços a partir da superfície de saída da ferramenta em direção à linha de cisalhamento.

Para esta teoria, todo efeito proporcionado pelo contato abaixo da linha AC é desprezado,  pois possui pouco efeito onde a teoria da plasticidade realmente se aplica, que é dentro da região ABC, em especial posição ao longo da linha AC e sua direção que proporcione a mínima força de usinagem. E acima da linha AB os efeitos do contato para transmissão de esforços pode ser desprezado.

E como a Taxa de Deformação é um aspecto indispensável quando se determina as condições que ocorrem o escoamento plástico (grifo do colunista), os autores esclarecem que a forma ABC está diretamente relacionada com as condições de velocidade na interface desta região, com as seguintes condições assumidas:

a) – O material a frente da ferramenta está parado;

b) – A velocidade da ferramenta é uniforme;

c) – O cavaco deve deixar a região plástica como um corpo rígido.

A condição c) merece um (grifo do colunista):

“Entre as três condições citadas acima, somente a terceira merece comentário, uma vez que apesar de considerar o cavaco um elemento “flexível” ele não possui característica elástica que represente absorção de energia para seguir deformando, ou seja, uma vez deformado ao longo da linha de cisalhamento AC, este permanece deformado, e o efeito elástico de ser “flexível” ocorre sem absorção de energia de deformação, ou seja, ele já está deformado e flui para fora da região de corte como corpo rígido. É possível concluir então que o cavaco se deforma ao longo da linha AC e tudo que ocorre acima da linha AC até a linha AB é tratado como corpo rígido, ou seja, com máxima transmissão dos efeitos de tensões e velocidades.” (grifo do colunista)

Uma vez que a região ABC é constituída por linhas paralelas, a distribuição de tensões é uniforme. E uma vez que o cavaco acima da linha AB não está submetido à força a partir da superfície da ferramenta, não ocorrerá tensões através da linha AB. E com isto, como não há tensão de cisalhamento em AB, e assim é possível afirmar que as linhas de escorregamento estão inclinadas em 45° (/4) em relação à AB.

Uma vez a teoria da plasticidade baseada na distribuição de tensões que podem ser representadas pelo círculo de Mohr, é visto na figura 2 que embora existam dois casos que satisfaçam a solução, sendo uma no qual as tensões nornais na região ABC são de tração, enquanto a outra de compressão, esta segunda opção deve ser a escolhida. Em resumo, através da região ABC ocorre cisalhamento e compressão.

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